terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Da janela

Fui chamar o Gulherme numa tarde dessas perdidas na imensidão, que é a mesma tarde de hoje à tarde, mas nós arrumamos outros afazeres para ocupar o tempo que passa muito lentamente se compararmos os bilhões de anos com nossas particularidades, lembrancinhas de anos atrás, alguns anos apenas, nada no grande esquema das coisas. Da calçada, ouvi saindo quarto que dá pra rua na casa do Walter Rehder, o som. Parecia que era a música que eu sempre escutei na cabeça, o ideal. "Free Bird", Lynyrd Skynyrd. Era aquilo, definitivo. Aquele momento naquela tarde igual ficou marcado pra sempre. O que não significa nada. O que é sempre no imensurável esquema das coisas? Não importa.
Importa é que naquela tarde Ronnie Van Zant, vocalista e inventor da banda, ainda estava vivo, provavelmente enchendo a cara de Jack Daniels em alguma cidade do sul americano numa turnê sem fim pelas estradas que continuam para sempre. Whiskey and rock n roller, that's what I am! Provavelmente Steve Gaines, um garoto prodígio da guitarra, já estivesse tocando com eles. Talvez estivessem naquele momento, com o fuso horário a favor, roubando o show dos Rolling Stones num festival no interior da Inglaterra. Porque eles eram o terror de quem viesse a seguir, hard act to follow. Uma bandinha de Jacksonville desafiava as leis da probabilidade rumo à consumação final do rock and roll.
Eu não sabia de nada disso naquela tarde, sequer podia pronunciar aquele nome (pronounced...). A única coisa que eu podia fazer naquela época de trevas tecnológicas era guardar o pouco dinheiro que aparecesse, pegar carona até Ribeirão Preto e rumar para a Discolar, sem escalas. Estava lá, One More From The Road, duplo, ao vivo, mítico, com Free Bird e mais. Quando cheguei em casa, meus irmãos perguntaram se era rock alemão. Era descendente de holandês, do sul da Georgia, norte da Flórida. A agulha do toca-discos estava acabada, então passei muito tempo só olhando praquele disco, "ouvindo" as músicas com aqueles nomes tão sugestivos. Saturday Night Special. Travellin' Man. Whiskey and Rock n Roller. Como ninguém tinha pensado nisso antes. Tinha. O Free, por exemplo. Mas eu não sabia.
Free, Cream, Rolling Stones. Esses caras eram fissurados no rock inglês. Os Allman Brothers saíram de Jacksonville também, mas são outra história. Um banda de blues, de músicos natos. Duanne Allman era aquela espécie que toca desde o primeiro dia, o craque. Nós conhecemos gente assim, Rica, Betão, pra quem a música vem antes dos nomes dos acordes, fácil, doce, protetora. Other people, ordinary people, they have to work. Allen Collins e Gary Rossington tiveram que dar duro, sangrar os dedos, em tardes intermináveis. O sonho era maior que as limitações, e quando Ronnie Van Zant colocou sua mão de ferro sobre a banda eles tinham que aprender senão apanhavam. Eles nunca chegaram a Eric Clapton, mas se moldaram naquela forma com uma entrega tão absoluta que num dado momento chutaram a bunda de Deus. Haveriam de pagar como o ladrão do fogo divino.
Crianças, não tentem isso em casa. Essa é a história mais trágica da música popular moderna, seja lá o que for isso. Desde aquela tarde, igual a outras, eu venho tentando desvendar esse mistério. Talvez ainda falte aquele viagem a Jacksonville, de navio, claro, para ver alguns túmulos e o terreno onde ficava a Casa do Inferno, antro de ensaios que duravam 12 horas. Esses sujeitos largaram tudo para tocar sem parar. Morreram por isso. Alguns no avião que caiu a 100 quilômetros do aeroporto. Outros nas longas tardes vazias preenchidas com álcool e drogas. Se você chega ao topo, só há um caminho.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Sinta o frio da cidade - Adilso Galdino

Não quero sofrer com a última gota de amor
espero nas madrugadas frias de São Paulo
um vagalume
carta de amor picada (rasgada)
a paciência esfria o coração
a vontade excita
desejo!
desejo um cigarro, um whisky
o seu restaurante favorito
sempre te oferece monotonia
caminhe, sinta o frio da cidade