sábado, 18 de dezembro de 2010

The White Tape

Tudo começou com uma fita cassette Mallory branca. Meu pai comprou o que na época se chamava aparelhagem de som: um amplificador Polyvox, um toca-discos Garrard, toca-fitas do qual não me lembro a marca e duas caixas (Gradiente?). Observei de longe o técnico de Ribeirão Preto montar a maravilha num baú. Como irmão menor não estava autorizado a mexer na "aparelhagem". O equipamento anterior havia sido uma Sonata "portátil" na qual se destruia a "Jovem Guarda". Era um tremendo avanço. E a música havia avançado muito mais. Era o começo dos anos 1970. Aquela Guarrard não tinha ideia do que a esperava.
Eduardo e Marcelo não eram compradores de discos. Então começaram a chegar as bolachas dos amigos - Junão, Jorginho -, gravadas experimentalmente no que seria uma versão primitiva da "pirataria" que viria depois avassaladora com a internet. A indústria fonográfica odiava as fitas cassettes virgens, porque elas distribuiam a música muito além do que se poderia cobrar e do que nós poderíamos pagar. Era uma espécie de intranet dos conhecedores, passada de mão em mão. As gravadoradas reclamavam, mas o mercado demandava. Muitas marcas. TDK, japonesa, a mais cobiçada, qualidade insuperável, Basf, Maxell. E apareceu aquela Mallory branca.
Era um apanhando variado. Uma fotografia do período. "Hello Hooray", de Alice Cooper. Partes essenciais de "Close to the Edge", do Yes. "Little Martha", dos Allman Brothers, fechando um lado. E em algum ponto "Get Down Get With it", do Slade.
Havia mais, mas o cenário estava traçado. De certa forma, essa fita traçou um plano para a minha vida musical para os próximos anos. Alice Cooper veio ao Brasil naquela época e ajudou a criar um fanatismo que não durou muito.
Quando, ao contrário dos meus irmãos, eu comecei a dar meu dinheiro para a indústria fonográfia (um vício difícil de largar), um dos primeiros discos que comprei foi "Slade in Flame", ainda com a grandeza estupenda de "Get Down Get With it" na cabeça, a fórmula perfeita do rock and roll.
Claro que me arrependo até hoje de, anos depois, na arrogância progressiva intelectual boçal ter me livrado desse disco, que é espetacular. Mas o processo tem que ser visto na sua evolução mental, que não quer dizer avanço, quer dizer que você tem que fazer besteiras para aprender.
Um dia, vinha no carro e ouvi Jon Anderson, do Yes, cantando "How Does it Feel", a canção que abre "In Flame". A conta fechou. Não é preciso odiar bandas como Slade para amar bandas como Yes.
E eu virei um fanático pelo Yes. "Close to the Edge" da fita branca me levou para "Relayer", depois para "Tales from Topographic Oceans", quatro músicas em dois discos, das quais eu decorei as letras, que eu não sei o que significam até hoje. Era um mundo de sonhos.
"Get Down Get with it" quer dizer isso. É uma bomba atômica. Em três minutos liquida os 80 minutos dos Oceanos Topográficos. Marinho vai discordar. Mas se fôssemos adolescentes de novo a que show iríamos?